Key Account Management em uma empresa SaaS

Morro do Campestre. Formação rochosa de Santa Catarina representando a ação conjunta da natureza e a inter-dependência trazida pelo key account management.

Resultados são obtidos explorando oportunidades, não resolvendo problemas.

Esta potente frase foi utilizada por Peter Drucker para afirmar que, apesar de até hoje nos faltar uma teoria da administração, a prática nos mostra que resultados, leia-se performance econômica e mudança social, são frutos de um esforço orientado às oportunidades de melhoria, mais que à solução de problemas internos.

Esta frase se mostrou particularmente importante ao buscarmos construir um time de contas-chave, ou key accounts, na Resultados Digitais. Lá, saímos de uma estrutura jack-of-all-trades, ou seja, poucos consultores fazendo um pouco de cada função e dominando nenhuma, para uma área composta por times focados em suporte, onboarding, análise de operações e gestão de carteira.

Nesta trajetória, foi se tornando clara a necessidade de considerar certas diferenças entre os clientes para explorarmos oportunidades à empresa. Aqui, trago as considerações que reuni ao longo dos anos em que orientei a criação de um time de Key Account Management em uma empresa SaaS.

Qualificação como etapa de desenvolvimento de uma empresa SaaS

Desde seus primeiros anos de estrada, havia na empresa o nítido entendimento de que o suporte a cada cliente deveria ser feito como a única conta a ser atendida. E essa cultura não mudou até hoje, mas foi sendo complementada por novos desafios. Era preciso encontrar um formato que nos permitisse escalar o atendimento a um número cada vez maior de clientes sem que o custo de manutenção desta máquina aumentasse progressivamente.

Em paralelo, alguns clientes foram mostrando ser necessário uma quantidade relativamente maior de horas de serviço para retê-los; e este trabalho extra casou com uma avaliação qualitativa de que estávamos no caminho certo… De que este trabalho extra era necessário. Dois aprendizados devem ser trazidos para cá:

a. a qualificação de contas em diferentes níveis de suporte não deve ser encarada como diferentes níveis de qualidade de atendimento, mas apenas de quantidade de serviço. Segmentar não reduz qualidade, embora outros fatores ligados a esta fase da empresa possam impactar negativamente os padrões de atendimento; e

b. se inicialmente a qualificação de contas for dirigida por critérios qualitativos como marca, ou pela necessidade de customização dos clientes unicamente, ela não pode seguir desta forma, sob o risco de levar a empresa a um custo de atendimento proibitivo.

Estamos então diante do desafio de definir os critérios que melhor nos ajudam a qualificar nossos clientes.

Qualificação de contas a partir do motor de receita

Partindo da busca por oportunidades, devemos entender quais, dentre nossos clientes, nos oferece as maiores chances de lucro; quais dentre eles possui o maior potencial não só de receita, mas efetivamente de retorno.

Este potencial de lucro está ligado diretamente ao nosso motor de receita, ou seja, àquela métrica de precificação pela qual os clientes são cobrados e que move a receita da empresa.

Em uma fintech que cobra por transações realizadas, o maior potencial de receita será oferecido por clientes capazes de gerar muitas transações. Já para um software de produtividade que cobra por número de usuários, ou seats, serão as grandes organizações os clientes que oferecem maior potencial de receita quando comparamos as contas individualmente.

Isto nos traz a um erro comum a ser evitado: não devemos priorizar o relacionamento com clientes de mais difícil tratamento, de maior maturidade, ou por já ser uma empresa de marca sólida ou ainda por que o cliente tem conhecidos em nossa empresa… Nenhuma dessas métricas, por si só, reflete ambos os lados da equação: maior investimento no atendimento = maior retorno.

Ao contrário, devemos investir mais esforços e recursos na construção de um relacionamento sadio e promissor entre empresa fornecedora e cliente apenas quando ambos têm a ganhar, levando-os a um estreitamento de laços entre seus executivos. Nas palavras dos estudiosos do tema, só existirá uma key account quando existir um key supplier.

Key Account Management em um SaaS

Quem são portanto os clientes de maior potencial de lucros a partir do motor de receita da empresa? Em SaaS, serão clientes de maior utilização do software, que mais estressam seus limites, sentem com mais peso suas limitações e guardam por isso os melhores insights ao desenvolvimento do produto.

Não serão necessariamente os mais maduros no domínio da solução que o produto atende, quero dizer, podem não ser os maiores especialistas em finanças ou produtividade, mas serão especialistas no uso do software, por sua necessidade de utilização.

Seria leviano não reconhecer a existência de clientes tecnologicamente maduros, que estressam os limites do software, mas não oferecem potencial de receita à empresa. Estes são os casos em que a maturidade para o uso, um dos critérios de qualificação a que cheguei em meu modelo, pesa contra o ROI do atendimento.

Atender este tipo de cliente nos leva a outros desafios, que devem ser tratados de outra maneira e não como a gestão de contas-chave. Passamos igualmente a tratar de outros assuntos quando consideramos contas que representam uma fatia considerável de nossa receita sem que exista um relacionamento de mútua dependência estratégica entre as empresas. Este seria um cenário diferente do que é tratado aqui.

Em adição, embora seja verdade que o estudo das dificuldades de uso inicial do software seja de grande valor para um time de desenvolvimento, quando o assunto é desenvolver o software, são os usuários mais maduros, os power users, que poderão mostrar o caminho.

Com isto, não estou defendendo customizações no produto, mas atestando a importância destes clientes além de qualquer métrica de retenção. Mais que receita, estes são os clientes que guardam oportunidades latentes à empresa, como a redução de custos de operação, a abertura e a manutenção de mercados, dentre outras.

O desafio da retenção de Key Accounts e dos Power Users

Com uma maior utilização do software, temos um crescente desafio: como endereçar necessidades de desenvolvimento sem comprometermos roadmaps nem ludibriar os nossos cliente?

Primeiro e mais importante: estamos falando da criação de relacionamentos sólidos de longo prazo. Mentiras ou meias verdades não devem ter espaço aqui e devemos ser sempre transparentes com relação ao que podemos entregar e quando, se for possível, serão endereçadas as necessidades de desenvolvimento.

Com isto em mente, alguns são os cenários em que nossos clientes se encontrarão ao toparem com obstáculos de utilização do software:

  1. O software atende à demanda do cliente e é preciso educá-los, mostrando como;
  2. O software, em conjunto com outra solução integrada, atende à demanda;
  3. Ainda não é possível atender à demanda, mas já temos um roadmap de curto-prazo para endereçar;
  4. Não conseguimos atender e não temos um roadmap de curto-prazo endereçando esta necessidade.

Visto desta forma, podemos entender o trabalho de um time de gestão de contas-chave em uma empresa SaaS como o trabalho de viabilizar estratégias relativamente mais complexas, mais do que o trabalho de instrumentalizar usuários com as ferramentas do software.

Em paralelo, temos o desafio de desenvolver o produto em uma velocidade superior à insatisfação destes clientes, trazendo ao mercado soluções bem alinhadas às necessidades de nosso público-alvo; necessidades estas que são evidenciadas pelos power user, por sua natureza avançada de utilização.

Para que tudo caminhe em direção à retenção de longo prazo, torna-se clara a necessidade de uma boa interação entre diferentes áreas e diferentes níveis hierárquicos em ambas as empresas.

Ações que promovam a troca de informações entre empresas e um maior cuidado com as necessidades de ambos, canais de coleta de feedbacks, reuniões de planejamento, além de testes beta, se mostram parte natural da criação de relacionamentos entre parceiros estratégicos.

O que nos leva a defender, em empresas SaaS, a manutenção de um time cross-area responsável pela retenção de contas-chave (key accounts) power users, com o objetivo de alcançarmos resultados explorando oportunidades que vão além da simples retenção destas contas.

Agradecimento

Quero encerrar este post agradecendo ao Adriano Amui, que me mostrou muitos dos conceitos que baseiam este texto e os estudos de Key Account Management. Entre várias outras iniciativas, ele facilita o curso ESPM Key Account Management, que vale a pena conhecer se você estiver interessado em se aprofundar no assunto.