Seguir o Indicador de Performance vai matar o seu negócio!

Na imagem, vemos luzes ao longe, refletindo em uma lagoa durante a noite

Com um título como este, eu preciso ser honesto mostrando que este não será um texto contra o indicador de performance; minha intenção é na verdade questionar o outro componente do enunciado: o seguir.

Em um momento em que mudanças radicais estão ocorrendo em nossas vidas, por conta da mais recente pandemia, em que padrões de consumo, estética e graus de importância estão sendo repensados, seguir na mesma direção estratégica traçada no passado, insistindo no mesmo indicador de performance, pode ser o motivo do falecimento de nossas iniciativas.

Meu objetivo aqui é trazer algumas observações sobre o papel dos modelos práticos que utilizamos no processo de decisão organizacional, ilustrando os momentos em que temos a chance de mudar nosso ponto de vista sobre a realidade para que melhores decisões sejam tomadas.

A partir tanto da minha vivência organizacional como amparado por diferentes especialistas no assunto, desde cientistas cognitivos até filósofos da ciência, escrevo sobre o uso de modelos representativos, que nos permitem lidar com a grande quantidade de informações e incerteza da realidade; mostro o lugar de um indicador de performance dentro de cada modelo, como norte para a ação; e passo a analisar o uso e limites de um modelo, destacando oportunidades para correções de percurso estratégico.

O uso de modelos para representar a realidade

Quando analisamos decisões complexas tomadas dentro das organizações, nos vemos com frequência utilizando modelos que retratam a realidade dos executivos. São exemplos o Business Model Canvas, Modelos Financeiros como métodos para o cálculo do Valuation ou o Mapeamento da Jornada de Clientes.

Digo que retratam a realidade dos executivos pois:

  1. todo modelo criado é uma representação parcial da realidade que nos cerca, entendendo a realidade como o todo que existe, independente de nossa intenção ou percepção sobre ela; e
  2. os modelos serão representações verdadeiras, ou seja, condizentes com a realidade, somente até a medida em que os criadores do modelo entendem a realidade, codificando-a.

Estes modelos não são exclusividade dos executivos, são utilizados por todos nós seja para nos permitir conceber uma realidade mais complexa ou comunicá-la para uma ação conjunta.

Tratando dos seres humanos, devemos esperar mais que apenas perceber a realidade. Ainda que existam aqueles momentos em que estamos perdidos em pensamento, apenas tentando entender o mundo, a verdade é que este processo de modelagem é nada mais que uma ferramenta para as nossas decisões e não deve ser encarado como um fim em si mesmo.

Seja como for, é a necessidade de ação que dá origem à percepção, ao raciocínio, à concepção de um modelo e por fim à definição de um indicador de performance; não o inverso.

Daí podemos esperar que o problema venha antes do modelo e este, antes do indicador; e também podemos definir a utilidade de um modelo desta forma: se o modelo não retrata satisfatoriamente a realidade, falha como ferramenta de decisão, ainda que os resultados sejam positivos, por sorte dos decisores.

 

Na tirinha, o Calvin diz ao seu amigo tigre: "Toda vez que entro na banheira, sempre coloco meu patinho primeiro". "Para fazer companhia?", pergunta o tigre. "Para ver se tem tubarão", responde Calvin.

Na tirinha, podemos intuir que o modelo de Calvin passou por algo como: a) tubarões vivem na água; b) a banheira está cheia de água; c) tubarões comem animais indefesos; d) o patinho seria comido por tubarões, se estivessem no mesmo ambiente; e) logo, se existirem tubarões na banheira, eles comerão o patinho e eu saberei que a banheira não oferece segurança para o meu banho. Quantas premissas deste modelo são falsas? E quantas foram suprimidas?

 

Concluindo a concepção do que é um modelo para os fins que buscamos aqui, vale destacar duas qualidades das premissas, ou seja, das regras que um modelo usa como base. A primeira qualidade de boas premissas é a veracidade de suas afirmações. Tomando como exemplo a tirinha acima e a minha interpretação do modelo utilizado por Calvin para evitar ataques de tubarão na banheira, a premissa b seria verdadeira, pois temos todos bons indícios para crer que sim, a banheira está cheia de água. Já a premissa d pode ser questionada… Será que não estamos enganados ao afirmar que o patinho seria comido por tubarões? Será que o fato do patinho ser de borracha não o torna diferente de um animal a ponto de um tubarão não se interessar por ele? Em outras palavras, será que não estamos suprimindo outras premissas?

A segunda qualidade de um bom conjunto de premissas é não suprimir ou silenciar premissas importantes para uma representação, ainda que parcial, da realidade que queremos dominar. Vejam que as premissas a e b acabam por suprimir o fato da água em que os tubarões vivem não ser a mesma água que enche a banheira; aqui, tratamos de dois ambientes muito diferentes. Da mesma forma, as premissas c e d suprimem premissas como: o patinho não é um animal, é de borracha; e tubarões podem não se interessar por brinquedos de borracha… Será que consigo deixar claro o perigo de basearmos nossas decisões em um modelo que não é capaz de refletir a realidade que nos circunda?

Existe uma expressão em inglês para suprimir evidências: cherry-picking, algo como: colher cereja (a mão). Ou seja, escolher aquelas evidências ou premissas que confirmam nosso raciocínio, desconsiderando aquelas que o contradizem, como faz o colhedor que, com a mão cheia de cerejas maduras, diz: “veja como a minha terra é a mais produtiva da região!”, desconsiderando todas as frutinhas verdes que deixou para trás, no pé…

Para se chegar a boas decisões, a máxima “procure pelas evidências que contradizem o seu raciocínio, mais que por aquelas que o confirmam” é conhecida entre os pensadores críticos e os design thinkers. O fato é que, quanto mais dinâmico e complexo o cenário em que se toma decisões, mais difícil é lembrarmos desta boa-prática.

O Indicador de Performance é o reflexo da qualidade do Modelo

Após uma primeira fase modelando a realidade, sempre mantendo a perspectiva da ação, ou seja, na busca pela solução de um problema, seguimos para uma fase de definição de indicadores que nos servem para medir o nosso desempenho, considerados os limites trazidos pelo modelo, ou seja, nossa performance dentro de suas premissas.

São exemplos de indicadores: a temperatura de aquecimento de um fogão, quando fazemos um pudim de leite, receita da mãe; o NPS® (ou Net Promoter Score®) de uma empresa, que deve refletir o percentual entre promotores e detratores de sua marca; ou a Renda per capta de um país, algo como o valor que é produzido ou ganho por seus cidadãos, dividido por sua população total.

Acontece que, como dito anteriormente, os modelos são representações parciais da realidade e o quanto mais distantes forem da realidade, o quanto mais superficiais forem, deixando de lado fatores que influenciam o cenário analisado, menos poderemos nos apoiar em seu indicador de performance; e mais dependeremos de informações extras, colhidas caso a caso.

Vejam: podemos afirmar que um pudim de leite feito em 180° em uma das bocas do meu fogão será cozido da mesma maneira que outro pudim de leite, também feito em 180°, mas no fogão da minha mãe? Muito provavelmente passaremos por algumas tentativas até encontrarmos o conjunto de indicadores que de fato devem ser considerados para uma performance de chef… A temperatura externa, a manutenção do fogão e da entrada de gás, a dimensão das fôrmas utilizadas para a massa do pudim; e como cada um destes fatores impacta o indicador de temperatura de cada fogão.

É dito que o termo conhecimento tácito foi cunhado pelo polímata Michael Polanyi em meados do séc. XX para se referir a este saber que não é traduzido objetivamente em indicadores de performance, mas faz parte da construção de nossos modelos práticos da realidade, no caso, para conseguir deixar o pudim de leite em pé e sem rachaduras.

Indicador de Performance e o Paradoxo de Tocqueville aplicado

Para gerarmos mais insights para o bom uso dos modelos e seus indicadores de desempenho, vamos agora analisar um dos cenário mais complexos a serem analisados: o desenvolvimento social e a ausência de um indicador de performance único.

Ao longo de 2019, duas cidades com excelentes indicadores sociais, Paris na França e Santiago no Chile, ganharam os noticiários por conta das sucessivas rebeliões civis de que foram palco, ambas iniciadas por camadas populares insatisfeitas com o aumento de tarifas no transporte: aumento de impostos sobre o combustível na França e aumento da passagem de metrô no Chile.

Ao ler sobre o aumento de tarifas de transporte, é impossível não lembrar também das ditas Jornadas de Junho de 2013, aqui no Brasil, originadas contra o aumento de R$ 0,20 na passagem de metrô, em São Paulo, embora suas raízes remontem ao movimento Revolta das Catracas, que levou milhares de estudantes e trabalhadores às ruas de Florianópolis em 2004 e 2005, igualmente contrários a um aumento na tarifa de transporte da cidade, como comentam os criados do Movimento Passe Livre.

Seja comparando regiões, países ou cidades, o destaque é o de rebeliões civis acontecendo em cidades relativamente mais prósperas, se olharmos pela lente dos indicadores sociais, o que parece contraditório em um primeiro momento. Uma primeira hipótese para que estas rebeliões tenham sua origem entre os cidadãos de melhor performance social pode estar no fato destes cidadãos estarem hoje mais bem conectados, por conta da popularização da internet – o caso das rebeliões dos coletes amarelos na França, por exemplo, teve como estopim um vídeo que correu as redes sociais, endereçado ao presidente Macron.

Já para o Diretor do Centro para o Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Columbia, Jeffrey D. Sachs, as rebeliões em cidades ricas foram causadas por conta do distanciamento de seus governantes com o sentimento público, ou sua felicidade advinda da percepção de liberdade social para lidar com nossas próprias vidas. Além de indicadores econômicos, ele defende o uso de indicadores ligados às expectativas sociais dos cidadãos, como o World Happiness Report, que ao contrário dos indicadores econômicos, mostra o quanto franceses e chilenos vem se sentindo pressionados em suas vidas.

Falando sobre felicidade e expectativa, um fenômeno interessante foi observado pelo historiador e cientista político Alexis de Tocqueville no séc. XIX: observando a reação dos diferentes grupos sociais diante da Revolução Francesa e depois em movimentos de reforma na Europa e nos EUA, ele notou que, quando as condições sociais melhoram e as oportunidades crescem, as insatisfações crescem numa velocidade maior, tornando insuportáveis injustiças menores, até então toleradas. É o chamado Efeito ou Paradoxo de Tocqueville.

No caso do Brasil, manifestações sociais como a Revolta das Catracas e depois as Jornadas de Junho casam com uma etapa anterior de redução do Índice de Gini aplicado na medição da desigualdade social entre as camadas mais rica e mais pobre do país. É quando presenciamos o que ficou conhecido como a ascensão da Classe C, em que parte da sociedade brasileira conquistou um poder de compra inexistente até a virada do século e passou a frequentar lugares até então inacessíveis, como grandes shopping centers e universidades.

Antes da polarização política nas eleições de 2014, o que se viu na origem dos movimentos contra os aumentos nas tarifas de transporte no Brasil, assim como nos movimentos chileno e francês, foi uma bandeira apartidária e comunitária, que depois foi se expandindo pelo país, ganhando adeptos de outras bandeiras, outras reivindicações.

Seja por não considerarem a percepção de liberdade social ou felicidade de seus cidadãos, seja por desprezar suas crescentes expectativas ou ainda por ignorar o fator tecnologia pós-internet, podemos concluir que guiar políticas públicas apenas por indicador de performance socioeconômicos como a Renda per Capita ou o IDH deixa nossos líderes a descoberto em relação ao bem-estar de seu povo, dando brecha à sorte quando tomam suas decisões.

Se as evidências mudam, mude seu Modelo!

Se surgiram novas evidências, reveja suas premissas, questione seu indicador de performance, mude seu modelo.

Outro conhecido erro encontrado no processo decisório é o chamado Efeito ou Reflexo Semmelweis, nomeado em homenagem ao médico que, em meados do séc. XIX descobriu que, se os médicos lavassem suas mãos após fazerem autópsias, menos crianças atendidas por eles morreriam; isso, antes da descoberta dos germes e contra o paradigma da época que, entre outras coisas, não poderia suportar o fato das mãos de um cavalheiro transmitir doenças… Em outras palavras, é o reflexo negacionista frente a novas descobertas que contradizem nossos paradigmas, nossos modelos práticos, criados para a solução dos problemas que enfrentamos.

Para não seguirmos pelo caminho da ignorância, qualidade daquele que ignora, valerá lembrarmos sempre destas duas recomendações:

  1. Todo modelo é uma representação parcial da realidade e pode ser abandonado ou melhorado à medida que compreendemos mais a fundo a realidade que nos cerca; e
  2. Indicadores de Performance são consequência de modelos criados para resolvermos problemas. Inverter esta ordem, priorizando indicadores quando o modelo é falho ou quando não temos uma perspectiva clara sobre o problema que queremos resolver é receita para más decisões e resultados negativos.

Concluindo, diante das várias transformações sociais por que estamos passando, é imperativo reavaliarmos o valor dos indicadores de desempenho que tanto defendemos no passado como indicadores-chave para o sucesso de nossas iniciativas pessoais e organizações.

Seja quando podemos ir mais a fundo no entendimento da realidade e dos problemas que nos propomos a resolver, seja quando nos deparamos com evidências e premissas suprimidas ou ainda quando nosso indicador de  performance parece falar mais alto que novas evidências que o contrariam, em cada um destes momentos, temos a oportunidade de corrigirmos nossa rota para seguirmos de forma mais assertiva em direção aos resultados desejados. Mas só quando trocamos a segurança da ignorância pelo entusiasmo da descoberta.