Pense na última vez em que contratou um serviço profissional bem feito e provavelmente vai lembrar de como ficou encantado com a experiência oferecida desde o início.
Os melhores profissionais e as organizações que colocam seus clientes em primeiro lugar esforçam-se para trazer uma percepção de valor em cada momento da jornada de consumo.
Não só porque buscam encantar seus clientes, mas também por entenderem que o comprometimento do cliente com o uso do serviço prestado está diretamente relacionado ao seu sentimento de valor do mesmo.
Já ouviu falar em adesão simbólica? A cobrança de um pequeno valor de participação em um evento muitas vezes não serve ao custeamento, mas busca fazer com que os participantes valorizem a sua própria participação.
Entre os profissionais que oferecem consultoria, uma boa prática é trazer dicas rápidas de melhoria já no primeiro encontro, algumas vezes, antes mesmo de fecharem negócio. Isto faz com que o cliente se sinta impulsionado a começar o projeto com empenho, o que por sua vez influencia a probabilidade de sucesso alcançado.
Adaptando aquela célebre frase do poeta romano Ovídio, de que o fim justificaria os meios, quando tratamos de fidelização de clientes, são os inícios quem determinam o fim.
Dada a importância do início de cada projeto para a construção de uma parceria de longo prazo entre empresa e clientes, trouxe para cá alguns insights sobre esta métrica que vem ganhando repercussão entre os profissionais do pós-venda: o Time to Value ou TtV.
Da contratação ao Hábito
Partindo da criação de um hábito de uso para a fidelização de clientes, parece correto afirmar que é o início do uso o momento mais decisivo para influenciarmos o comprometimento do cliente.
Tendo isto em vista, herdou-se da gestão de projetos um conceito para medir o tempo que um cliente leva para experimentar o valor proposto pelo produto contratado: o Time to Value (TtV).
Em 2013, Nello Franco mostrou em um de seus blog posts a importância de considerarmos o TtV em nossas estratégias. Para ele, em empresas SaaS, não podemos esperar que a percepção de valor de novos clientes sofra com o que chamou de Vale da Desilusão (Trough of Disillusionment):
Para Nello Franco, é preciso conduzirmos novos clientes ao valor desejado de forma gradual e contínua, evitando-se desta forma a perda de interesse e comprometimento com as mudanças por que passa um cliente que adota um software em sua rotina:
Da teoria do Time to Value (TtV) à prática
Simples e assertiva teoria, não é mesmo? Talvez o motivo de tão poucas pessoas utilizarem este conceito esteja na dificuldade em mapear o que é sucesso para seus clientes.
Não podemos nos deixar enganar… Esta não é uma tarefa fácil. Podemos chegar a conclusões equivocadas quando realizamos algumas entrevistas com clientes ou quando consideramos apenas dados internos históricos.
Mesmo que dediquemos uma boa quantia de recursos para entender o que é valor para nossos clientes, sem partirmos um desenho claro do posicionamento estratégico da empresa, corremos o risco de apontar para as métricas erradas, desvirtuando todo o trabalho dos times envolvidos.
Para um mapeamento assertivo de valor e sucesso de clientes, venho utilizando uma visão que reúne em si a análise conjunta de alguns fatores:
- Os problemas a serem resolvidos pelos clientes, sua motivação para a compra;
- Os casos de uso, ferramentas a serem utilizadas e pré-requisitos à contratação;
- Os resultados entregues e as consequências do uso;
- Além da proposta de valor da empresa e de sua visão de produto.
A meu ver, um conceito complexo como sucesso deve ser definido com estudos aprofundados do contexto de cada empresa, a partir de um desenho essencialmente ligado ao seu posicionamento estratégico, aliado a entrevistas roteirizadas com clientes que tenham e com os que não tenham alcançado sucesso com o produto, mais levantamentos quantitativos que embasem as hipóteses criadas, mais uma boa dose de dados empíricos, baseados na experiência dos times de linha.
Em outras palavras, não podemos nos satisfazer com afirmações superficiais como: “conheça o seu cliente” ou “precisamos garantir que o cliente atinja o resultado desejado”.
Também não podemos deixar esta definição de valor a cargo exclusivamente de nossos clientes, pois podemos acabar mirando o uso incorreto de nosso produto ou ainda podemos perder oportunidades de inovação. Lembra daquela história de que Henry Ford teria criado o automóvel sem perguntar aos cidadãos se sua época o que queriam como meio de transporte?
Tendo sido realmente dita ou não, não há sombra de dúvida de que Henry Ford soube construir uma visão que uniu sua percepção sobre as necessidades dos cidadãos norte-americanos da virada do século XX com vários testes, erros e acertos para chegar aos primeiros carros populares de nossa história.
Em se tratando de testes, erros e acertos, não podemos deixar de lado outro erro a ser evitado: o uso negligente das regras estatísticas que, como mostraram Kahneman e Tversky, são comuns aos humanos, maus estatísticos por natureza.
Por fim, devemos chegar a uma proposta de valor que considere, de forma honesta e bem embasada, qual o resultado desejado por nosso público-alvo com a utilização de nosso produto, quais limitações do produto para outros resultados desejados, quais pré-requisitos para se chegar aos resultados desejados e quais consequências advém do uso do produto.
Das hipóteses à métrica
Voltando ao exemplo da academia: alguns de seus clientes buscam, digamos, sair da inércia com a prática de exercícios básicos; enquanto outros buscam ganho de massa muscular para definir certa parte do corpo, o que exigirá uma rotina bem específica.
Em cada caso, é possível não só definir a nossa proposta de valor para cada cliente, como também adaptar sua experiência de uso para que chegue o mais rápido possível ao resultado desejado.
Definidos algumas propostas de valor, o que temos em seguida é o desafio de encontrar a métrica que represente o atingimento do valor desejado.
Destaco a palavra represente para deixar clara a diferença entre utilização do produto e valor alcançado. Este distinção é necessária para nos desafiar a buscar as métricas mais assertivas para o gerenciamento do sucesso de nossos clientes.
Boas métricas de retenção levam em consideração não só a utilização do produto ou a receita trazida. Mais importante para definir uma métrica de retenção é, através da perspectiva do cliente, encontrar a história por trás do uso, ou seja, uma visão dos motivos que o levaram à compra, que deve casar com a nossa proposta de valor e com o hábito que utilização que resolve o problema inicial.
Pense nos programas oferecidos por uma academia. Eles devem ser direcionados para objetivos específicos e devem ser apresentados com uma cadência mínima de uso para que o novo cliente alcance seus objetivos. Assim, para o cliente que deseja sair da inércia, uma rotina semanal de exercícios com no mínimo 3 dias na academia pode ser de ajuda. O mesmo não acontecerá com o halterofilista que precisará de uma rotina mais específica e de maior frequência semanal (mais vezes por semana na academia).
É verdade que existem produtos que deixam de ser utilizados quando se atinge o objetivo desejado. Existem ainda casos em que, atingido o valor inicialmente desejado, passa-se a buscar outro, ainda a partir da utilização do mesmo produto ou produtos adicionais.
Se você também exergou as diversas oportunidades de fidelização e revenda com o mapeamento destes momentos de inflexão, você vai gostar de conhecer o Time to Value (TtV) de seus clientes.
Do indicador à máquina
Definir o que é sucesso para o seu cliente pode ser uma tarefa difícil, pode parecer muito subjetiva, ok. Ainda assim, mesmo quando estamos partindo do zero, podemos ser assertivos nos apoiando em dois importantes marcos na jornada dos clientes: a conclusão da implementação e a Reunião de Resultados.
Sem gastar muito tempo definindo o que é sucesso a partir da visão do cliente, podemos partir da noção de que, para o cliente, resultados financeiros serão sempre um bom indicador de sucesso, seja um aumento de receita, uma redução de custos ou mesmo o aumento da produtividade do time convertido em valor monetário.
E quanto tempo estamos gastando desde a assinatura de contrato até o demonstração de resultados ao cliente? Seria o momento de renovação o momento ideal para falarmos pela primeira vez em resultados? Ou conseguimos antecipar esta demonstração, nos permitindo atuar com antecedência nos casos de risco?
Entre as organizações que já praticam a cultura da Gestão do Sucesso de Clientes, fala-se com frequência sobre as Reuniões de Resultado (Business Review), em que deve-se levar ao cliente um retrato dos resultados alcaçados no último período. Quando esta discussão acontece com seus clientes? 1 mês depois da constratação, um semestre ou ao final do primeiro ano? Este pode ser o seu Time to Value (TtV) inicial.
Já se estivermos tentando avaliar em quanto tempo conseguimos viabilizar o uso de nosso produto para nossos clientes, podemos acompanhar um indicador ligado a mesma lógica do TtV: o Time to First Value (TtFV), ou seja: quanto tempo estamos levando da assinatura do contrato até a conclusão da implementação ou do setup do produto.
Antes da criação de um hábito de uso, que também podemos medir da mesma maneira, vale buscarmos quais os processos nos permitem gerar valor o quanto antes para nossos clientes. Voltando mais uma vez ao exemplo da academia, imagine entrar em uma academia pela primeira vez e ser levado para uma sala de aula teórica sobre saúde, exercícios variados e como usar cada máquina dentro do salão. Este processo de Onboarding traria o mesmo valor que um profissional acompanhando seu primeiro dia de academia na prática?
Olhar para o tempo que levamos para provar o valor trazido ao cliente em última análise nos força a revisar a experiência ao longo de toda a jornada de uso, o que só traz vantagens, contanto que o foco permaneça sempre na última letrinha do indicador: o “V” de “Valor” é quem de fato precisa ser medido, caso contrário, estamos medindo apenas a entrega e não o resultado.