Em meu trabalho de conclusão da graduação, explorei alguns aspectos da tomada de decisão complexa por gestores. Na época, as chamei de decisões estratégicas, para diferenciá-las das decisões mais corriqueiras, tático-operacionais, no linguajar corporativo.
Anos depois, assistindo ao novo programa de entrevistas do David Letterman, no Netflix, fomos presenteados com esta lembrança do ex-presidente norteamericano Barack Obama, ao analisar seu atual momento:
– O meu representante em um possível contrato literário me ligou (e disse): os editores estão muito ansiosos. Temos que nos reunir logo. Agora mesmo. Estão muito interessados. Disse Obama.
– Falei: que tal amanhã?
– Não, não, vamos levar duas semanas para marcar… Respondeu o representante literário.
– E eu tive que explicar a ele: onde eu trabalhava, “agora mesmo” significa que se não for em meia hora, alguém morre.
Esta lembrança de seus tempos como presidente nos mostra algumas características do processo decisório estratégico:
- Estamos falando de decisões que impactam a vida de muitas pessoas, o que as torna importantes e necessárias; e
- Estas decisões encontram-se em um cenário de alta complexidade, dada a quantidade de informações e variáveis a serem analisadas em um curto espaço de tempo.
A partir deste cenário, podemos analisar tanto o trabalho de executivos, como o trabalho de estadistas, assim como podemos analisar qualquer decisão do tipo, seja ela tomada por quem for.
Com isto em mente, busquei mapear o processo decisório e, focando as decisões complexas, fui atrás de alguma orientação para melhores decisões. E esta foi minha conclusão:
Para melhorarmos a tomada de decisão, devemos otimizar o uso que fazemos dos conceitos que a cercam, buscando:
O menor número de conceitos relevantes, aplicáveis em escala.
Detalhando cada parte da equação, chegamos as seguintes recomendações:
a. quanto menor for o número de conceitos a serem considerados em uma decisão, menos esforços serão necessários para validá-los. Em se tratando de um cenário de complexidade, salvaguardar nossa capacidade de processamento de informações será essencial;
b. quanto mais relevante for o conjunto de conceitos e premissas utilizados para a decisão, melhor esta tenderá a ser, considerando seus resultados conscientes. Isto significa dizer que não devemos deixar de lado conceitos ou heurísticas (explico melhor esses termos mais a frente), seja por descuido ou despreparo, que possam impactar significativamente os resultados da decisão;
c. por fim, quanto mais ampla for a aplicação dos conceitos e das heurísticas, ou seja, quanto maior o número de decisões em que podemos utilizá-los, mais preparados estaremos para este cenário de alta complexidade, pois poderemos recorrer aos mesmos conceitos para tomar decisões diferentes, economizando uma vez mais os esforços para processar informações.
Conceitos, Heurísticas e Processo Decisório
Para um melhor entendimento desta equação, vamos explorar mais a fundo uma possível representação da tomada de decisão. A depender de seu modelo de aprendizagem, melhor será começar a leitura por aqui.
De um ponto de vista estritamente racional, pode-se observar as decisões humanas pelos diferentes universos que a compõem:
Como conceitos, temos a base deste modelo. Ele pode ser entendido como as concepções, as imagens mentais que vamos formando sobre aquilo que nos cerca.
Para exemplificar, me veio à memória a resposta de um dos entrevistados na época de minha pesquisa.
Ao falarmos sobre secretárias executivas, o entrevistado as definiu em função de três propósitos: cuidar da agenda do executivo, servir de barreira de acesso, para otimizar o seu tempo; e facilitar ou mesmo viabilizar o seu acesso a outros executivos.
Esta é uma representação clara dos conceitos que utilizamos em nosso dia-a-dia. O conceito de secretária executiva demonstrado não deve ser encarado como definição científica ou regra natural. Ele traduz a interpretação racional de um executivo entrevistado. Em outras palavras, a imagem que ele construiu de uma secretária executiva.
De forma geral, nossos conceitos trazem em si não só um entendimento do que são as coisas que nos cercam (fator ontológico), como também, inseparavelmente, trazem em si a nossa percepção sobre sua utilidade (fator prático).
Como pode-se notar, os conceitos vão se formando com a união de informações e percepções que vamos acumulando ao longo da vida, influenciados pela cultura compartilhada por nossa sociedade, pela moral propagada pelos grupos sociais de que fazemos parte, pelos resultados de decisões individuais tomadas no passado e ainda influenciados por acontecimentos circunstanciais no momento da decisão.
Para ver cada uma destas influências atuando sobre um mesmo processo decisório, imaginem por exemplo um ateu avarento comprando uma bíblia para uma senhora que teve a sua própria bíblia estragada por este ateu. Ok até aqui?
Um segundo universo deste modelo guarda as heurísticas, ou regras de decisão. São exemplos:
- Responsabilize-se e repare os seus erros sempre que possível;
- Cuide de sua produtividade;
- Ame o que faz;
- Não confie em um mecânico que trabalha sem estar manchado de graxa;
- Em time que está vencendo não se mexe; etc.
Aqui, estamos no universo das regras aplicáveis a diferentes decisões, também conhecidas como paradigmas, mindset, gestalt, ou perspectiva.
Em muitos casos, temos a aplicação incorreta dessas heurísticas, o que pode representar oportunidade para melhores decisões, mas é notável que bases mais concretas de conceitos nos permitirão selecionar e utilizar melhor as heurísticas de nosso arsenal racional.
É essa estrutura composta de conceitos e heurísticas o que chamamos de um processo decisório.
Há que se dizer que estamos falando aqui apenas da decisão e do processo que a produz. Outros fatores como a comunicação e a autoridade deverão ser considerados quando estivermos no campo da ação e de seus resultados.
Em última escala, ainda se pode analisar as diversas decisões tomando lugar no desenvolvimento de um grupo social, por seus indivíduos se interinfluenciando.
Neste universo, passamos a tratar dos chamados esquemas interpretativos e de uma racionalidade socialmente construída.
E diante dessa estrutura decisória, contando com o conhecimento que temos sobre a natureza da racionalidade humana, é possível considerar como contradição básica dinâmica deste processo: a busca por conceitos e paradigmas que nos possibilitem não precisar mais buscar por conceitos e paradigmas, até que o resultado de nossas decisões nos mostrem que precisamos buscar por novos conceitos e novos paradigmas, ou no linguajar mais técnico, por novas heurísticas.
É esta busca por melhores decisões o que me fez chegar àquela equação:
O menor número de conceitos relevantes, aplicáveis em escala.
O que mais podemos fazer pela tomada de decisão?
No meio do caminho, ainda é possível destacar heurísticas que possivelmente nos auxiliem a otimizar as demais heurísticas, como:
- Toda regra tem sua exceção; ou
- O que não pode ser medido, não pode ser melhorado.
Regras de decisão como estas existem pelo direcionamento que carregam, capazes de nos fazer avaliarmos de forma crítica as conclusões com que topamos diariamente nas organizações e na vida cotidiana.
É verdade que em muitos momentos não nos damos o tempo necessário para amadurecer as conclusões a que chegamos; e esta habilidade talvez mais tenha a ver com inteligência emocional e humildade do que qualquer outra coisa.
Outra potente ferramenta, ainda no campo da racionalidade, é a Lógica, braço da Filosofia que, quando usada da forma correta, é capaz de revolucionar todo um esquema de pré-conceitos arraigados.
Com direcionamentos vindos da análise da relação entre as afirmações que precedem uma conclusão, a Lógica consegue nos mostrar onde, em nosso descuidado processo de pensar, erramos ao concluir mentiras bem-contadas que em um segundo momento passam a ser a base para novas decisões.
E assim damos início a uma série de crenças limitantes (outro excelente nome para as heurísticas fracas) de que tanto temos medo…
- Quanto maior a empresa, mais insatisfeitos com o suporte oferecido serão seus clientes;
- O cliente tem sempre razão;
- Ou se é bom com pessoas, ou se é bom com entregas. As duas coisas não dá.
Lembra-se de mais alguma?
Por fim, diante desta percepção sobre a tomada de decisão gerencial e estratégica, podemos entender a inovação como o questionamento dos pré-conceitos que vamos solidificando ao passo das decsiões tomadas dentro de uma organização.
A inovação, como fonte solucionadora dos gargalos de uma empresa, muitas vezes já existe em sua semente dentro da própria organização, esperando o momento de desabrochar com a queda dos conceitos já não tão necessários à saúde organizacional.